O trabalho em ateliês

“Ninguém gosta de se ver obrigado a fazer um determinado trabalho, mesmo que esse trabalho não lhe desagrade particularmente. É a coerção que é paralisante”. (Freinet, invariante nº6)    

Acho importantíssimo esse momento de trabalho individual diversificado e simultâneo, que chamo de ateliê.

No início do ano, procuro trabalhar mais coletivamente neste momento. Trago propostas, procurando apresentar trabalhos que são possíveis de se fazer nesse momento: diversas técnica de artes, como usar alguns materiais como a tesoura, a cola, a massinha, diversos tipos de jogos, etc. Quando eles já possuem um bom repertório de atividades que podemos fazer neste momento, fui propondo também que sugerissem o que gostariam de fazer. E assim este momento de trabalho foi sendo organizado em pequenos grupos de trabalho, com uma atividade diferente em cada grupo e que ocorriam simultaneamente.

Em cada “ateliê” estão dispostos os objetos e equipamentos necessários para a realização de cada atividade. Assim, à medida que cada um termina uma atividade, procura outro ateliê onde haja lugar disponível para prosseguir em seus tateios. Se o ateliê onde ela quer trabalhar já estiver completo, ela esperará. “Nosso objetivo não é que a criança faça tudo o que quer, e sim que ela queira tudo o que faz” (Claparède in JOFFILY, Ruth. O cotidiano na pedagogia Freinet.).

(sala disposta em ateliês. Da direita para a esquerda: lego, jogo da memória, casinha, pintura, massinha)

“Ninguém gosta de trabalhar sem objetivo, agir com um robô, isto é, realizar atos e dobrar-se a pensamentos que estão inscritos em mecânicas das quais não participa” (Freinet, invariante nº 8)

Exemplos de trabalhos que podem ser realizados em ateliês: pintura (com diversos materiais como guache, anilina, com pincéis, rolinhos, com as mãos), desenho (com diversos materiais como lápis de cor, canetinha, giz de cera, giz de lousa, carvão, etc ), recorte e colagem (com tesoura, com as mãos, diversos tipos de papéis, tecidos, sucatas), leitura (de livros, revistas, gibis), jogos (como os de montar, de encaixe, quebra-cabeça, com regras), modelagem (com massinha, argila), construção com sucatas, brinquedos (casinha, panelinhas, bonecas), etc. Muitos dos assuntos surgidos na roda de conversa também viram trabalhos nos ateliês: uma ilustração para uma história contada como novidade para a turma, uma pesquisa sobre um assunto discutido. Também encaminhamos para os ateliês trabalhos que decorrem de estudos dentro de algum projeto de pesquisa da turma: uma observação de imagens, leitura de livros, desenhos para a elaboração de um livro, a construção de um boneco, etc. A cada dia combinamos alguns trabalhos para serem realizados neste momento.

“Todos gostam de escolher o seu trabalho, mesmo que essa escolha não seja vantajosa” (Freinet, invariante nº 7)

Iniciei recentemente o trabalho com o quadro de ateliês. Cada criança tem uma placa com sua foto e seu nome. Combinamos, na roda de conversa, quais trabalhos serão realizados no momento de ateliê do dia. Eu trago sugestões, vemos alguns trabalhos que precisam ser encaminhados e que vão sendo direcionados para este momento, eles também apresentam sugestões. Acolho, sempre na medida do possível, para o dia. Às vezes, a proposta necessita de algum material que não temos no momento; então, encaminho para o dia seguinte. Às vezes, deixo de lado uma proposta minha para acolher uma proposta sugerida por alguém da turma. Desenho todos os trabalhos do dia e colo no quadro. Cada criança escolhe o trabalho que deseja e depois já se encaminha para a mesa ou espaço combinado para cada ateliê. Alguns ateliês não precisam de mesa, como Casinha, ou encher caixas de leite com jornal amassado, trabalho que fizemos recentemente para a construção de um sofazinho para nossas brincadeiras.

(escolhendo o trabalho que realizará no ateliê)

 Num dia, uma criança poderá realizar todos os ateliês propostos, ou somente um, se ela estiver muito interessada em desenvolver aquele trabalho e quiser terminá-lo naquele dia. Por exemplo, várias crianças podem começar o trabalho num ateliê de desenho; duas podem terminá-lo e mudar de trabalho, mas pode haver uma criança que está tão empenhada, cuidando de cada detalhe do desenho e da pintura que passa todo o momento do Trabalho em Sala somente neste ateliê. O tempo em que cada criança fica em cada ateliê é determinado por ela mesma, de acordo com a necessidade e o desejo dela de continuar seu trabalho. Ao mesmo tempo, trabalhamos a capacidade de se comprometer com o trabalho que escolheu. Ao terminar um trabalho, ela se dirige novamente ao quadro de ateliês, retira seu nome e coloca no ateliê que deseja iniciar.

“Todo indivíduo quer ter sucesso. O fracasso é inibidor, destruidor do ânimo e do entusiasmo” (Freinet, invariante nº 10 – a)

Neste momento de trabalho em ateliês, posso acompanhar mais de perto o desenvolvimento de cada criança e propor desafios de acordo com o que ela já pode e consegue fazer. O que chamo de exigência altamente justa. Não vou exigir de uma criança que faça algo ainda aquém de sua capacidade, mas não vou deixar de cobrar dela algo que sei que consegue fazer. Assim, dentro de um mesmo ateliê de desenho, por exemplo, o que vou pedir que cada criança faça vai de acordo com o que ela pode realizar: para as crianças que ainda fazem garatujas, vou auxiliando-as a construírem as formas; para os que já desenham formas mais elaboradas, solicito que adicionem detalhes, cores, fundo, cenário; etc. Com isso, trabalhamos também para que seu tempo de concentração para o trabalho vá se ampliando ao longo do ano.


(Ateliês. Em sentido horário: amassando jornal para o sofá, pintando o cartão para o dia das mães, pista de carrinhos, desenho com carvão,jogo da reciclagem, massinha e, ao centro, lince)

  Quando termina esse momento de trabalho em sala, a organização da sala é tarefa de todos e sempre digo que faz parte do momento de ateliês a arrumação da sala. Guardamos cada material em seu lugar apropriado, limpando a mesa, quando fazemos alguma pintura, lavando os pincéis, as colas… E é uma satisfação ver tudo arrumado novamente!



Uma resposta

  1. A escolha pelo desejo, pela vontade cooperativa é simplesmente fantástica. Ver os objetivos concretizados, o produto final pronto é sempre uma alegria para eles. Que lindo!

  2. Seu blog está me ajudando a escrever meu projeto de intervenção com adolescentes. Estava procurando em quais livro do Freinet tinha citações sobre o ateliê. Enfim, nada mais simples e útil que os próprios invariantes pedagógicos. Obrigado.

    • Quanta honra!
      Estou muito feliz em saber disso.
      Adoro as invariantes pedagógicas! Simples e objetivo, toda a base da pedagogia Freinet! Você tem a tradução feita pela Ruth Joffily? É uma versão mais completa. Um grande abraço, Lili

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